terça-feira, 26 de abril de 2011

Perdida

Diário de Bordo, Vila do Conde, 26 de Abril de 2011
Canção do Dia: «Ao Longe O Mar» Madredeus


Estação do metro de Vila do Conde. Espero como qualquer um dos mais banais dias.
Uma idosa vagueia. Tem um camisola quente, um saco de papelão da Zara e o cabelo amarrotado atrás, como se tivesse estado a dormir.
A máquina tem um cartão na ranhura com duas viagens carregadas prontas a usar. Um casal que pretende usar a máquina, pergunta se o cartão esquecido pertence a alguém.
-É seu? Perguntam à velhinha.
-Deus a abençoe menina. Já me estava a esquecer... Olhe, ajude-me aqui por favor. Pedindo explicações sobre as linhas do metro.
Chega um senhor aflito.
-Desculpem, eu deixei aqui um cartão na máquina depois de carregar. Fui tomar um cafezinho porque ainda dava tempo. Não o viram? Tirei o troco mas esqueci-me do cartão.
-Olhe, esta senhora tem o seu cartão. Disse-nos à bocado que era dela.
-Mas ainda tenho aqui o recibo e tudo. A senhora tem o meu cartão?
-Sabe que eu fui ao hospital para ver a minha perna que tem uma inflamação muito grande.
-Olhe Senhora, ficou com o meu cartão?
-A minha perna... No hospital...
-Tem o meu cartão?
-No hospital... A perna... Inflamação...
Entrega o cartão ao respectivo dono com uma expressão apática, sussurrando algo incompreensível..
-A Senhora de onde é? - pergunta o casal.
-Sou de Matosinhos.
-E a sua família? Não veio até aqui com a família? - estranhando estar sozinha.
-Está toda no hospital. Vou lá agora vê-los.
-Mas a senhora veio ou vai para o hospital? A esta hora? Ainda deixam entrar visitas? Como vai para Matosinhos? Não vai ninguém consigo? - Achando-a cada vez mais desnorteada.
-Apanhava o 137, mas agora nem sei onde se apanha. É uma tristeza...
-E os seus filhos?
-Tão todos no hospital.
-Deve ter fugido duma instituição qualquer, está bem cuidada. - conferenciam os três.
-E agora como vou para Matosinhos? - pergunta novamente.
-Tem de esperar pelo metro que vai para aquele lado.
-Então vou indo.
Dirige-se a pé para a linha.
-Oh Senhora, não pode ir para a linha!!!
-E como faço, não trouxe dinheiro...
-Ligamos para a polícia? Alguém deve andar à procura dela.
Vira-se e dirige-se a duas outras senhoras que, no entretanto chegaram. Repete exactamente o mesmo discurso.

Andante