terça-feira, 24 de abril de 2007

Pardais

Diário de Bordo, Vila do Conde, 24 de Abril de 2007
Canção do dia: «A Thousand Miles»-Vanessa Carlton


Adoro pardais. Adoro os seus saltitos e a sua humildade. Adoro vê-los a agitar as penitas e a moverem-se energicamente de árvore em árvore. Adoro o seu esvoaçar e o seu olhar sempre simpático. Adoro todos os habilidosos lápis de cor que os pintaram com todos os possíveis tons de castanho. Adoro observá-los durante horas e horas.

Na estação da Trindade há um corajoso pardalito que prende a atenção de todos. Vagueia pelas linhas e pelos passeios. Procura migalhas deixadas pelos apressados. Chega mesmo a aproximar-se dos trauseantes, não fugindo. Quando o metro chega ele salta para outro carril, continuando a sua frenética e contínua tarefa. Os olhos esvoaçam deliciados com o pardaleco.

Na espera pelo meu metro, comprei um donuts. Não vi o pardalito mas, propositadamente, migalhas do meu bolo caíram ao chão.

Andante

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Nevoeiro

Diário de Bordo, Vila do Conde, 23 de Abril de 2007
Canção do Dia: «Aureus» in Varekai (Cirque du Soleil)


Abri os olhos ensonados, ouvi o silêncio como tanto gosto. Passado pouco tempo a minha mãe suavemente abriu a porta do meu quarto e dando-me um terno beijo segredou-me:
-Já estás acordada? Posso abrir a persiana?
Quem me dera ficar a dormir mais um bocadinho; a sentir a almofada; a olhar para o tecto. Prometi a mim mesma que compensaria o sono durante a viagem.

O céu estava esquisito: não estava sol nem chuva. Arrisquei. Calcei as sandálias e a minha mãe levou-me ao metro.
Apanhei o habitual expresso, à habitual hora, da habitual ensonada segunda-feira.

Entrei e sentei-me. Com o balancear das carruagens o sono voltou. De repente deparo-me com um dos meus quadros favoritos: o nevoeiro. Há zonas em que a linha sobe sobre a linha das casas e das árvores. O manto branco roça a erva acabando por lá descansar. A paisagem torna-se névoa dispersa, calma, mágica, difusa; como num sonho, como numa miragem. Apenas se vê o verde do cume das árvores emergir por tão belas ondas. O sol aparece como pequena bola de fogo. A paisagem é linda. Dormir parecia agora um pecado.

Andante

sábado, 7 de abril de 2007

Concurso televisivo

Diário de Bordo, Algarve, 7 de Abril de 2007
Canção do Dia: «Masquerade» in The Phantom of The Opera-Andrew Lloyd Webber


Esta história passou-se nas férias de Verão do passado ano aquando de uma viagem até ao Bolhão para um treino de B-Girling.
Estava sol. Eu e uma amiga íamos treinar para o Porto. Apanhámos o metro normal do início da tarde na Estação de Vila do Conde. Sentamo-nos nos assentos de quatro lugares do centro da carruagem. A fazer-nos companhia, e do lado oposto ao nosso, encontrava-se um avô com o seu neto. O neto era louro, usava óculos, e tinha ar de inteligente. Devia ter uns 8 anitos. O avô estava descontraído e parecia contente por estar a tomar conta do neto. Eu e a minha colega falávamos sobre trivialidades: das férias, das aulas, dos amigos, da dança. O avô e o neto conversavam também. De quando a quando o neto levantava-se. Era uma viagem de metro igual a tantas outras que já tínhamos feito. Perto de Modivas o menino começou a meter conversa: -Olá! Como te chamas? Eu disse-lhe o meu nome. -E tu, como te chamas? A minha amiga disse que se chamava Raquel, um nome que não era o dela. -Para onde é que vocês vão? -Nós vamos para o Bolhão, e tu? Respondi-lhe eu. -Querem jogar um jogo? Questionou-nos o puto. Eu e a "Raquel" entreolhámo-nos. -Pode ser, respondi-lhe eu. -Então vamos fazer assim: eu sou o apresentador e vocês são os concorrentes, pode ser? Nós acenamos com a cabeça.

-Concorrente número 1: Qual a linha mais longa? Hipótese A: A vermelha; hipótese B, a amarela; hipótese C, a verde? Respondi-lhe a linha vermelha. -Qual acha que será a resposta correcta, concorrente número 2? A "Raquel", que estava com pouca paciência para o jogo, optou pela resposta B. -Concorrente número 1, acertou. Dois pontos para a concorrente número 1. Bem, o apresentador de televisão continuou a fazer-nos perguntas sobre as linhas, sobre as cores destas, sobre as durações das viagens, etc. Eu e a "Raquel" já só víamos a hora de chegar ao Bolhão.

Entretanto o apresentador passou para a segunda parte do programa televisivo. -A partir de agora as respostas serão por tempo. Tem um relógio? Eu tinha um relógio e, com esperança que o concurso acabásse, lá comecei a cronometrar as respostas da minha companheira de concurso. -Responda "Raquel", responda! O tempo está a esgotar-se! Rápido "Raquel"! Acabou o tempo. A concorrente número 2 não respondeu a tempo. Um ponto negativo para a concorrente número 2.

O babado avô limitava-se a um sorriso bonacheirão. Finalmente chegou o fim do concurso.
-Avô, dá um prémio à concorrente número 1.

Anda lá avô! Mais tarde, o ex-apresentador pediu-nos em namoro. O pedido desagradou à "Raquel", que já estava cansada de todo aquele concurso. O rapaz dirige-se para mim. Pega-me na mão e pede-me em casamento.

"Tim tom"...
... Próxima paragem Bolhão...
... Next stop Bolhão...

Andante



quinta-feira, 5 de abril de 2007

Férias

Diário de Bordo, Algarve, 5 de Abril de 2007
Canção do dia: «Last Home Train» Pat Metheny


Estou de férias, não tenho de acordar todos os dias ás 6,10h para apanhar o expresso das 6,57h. Não desligo o despertador. Fico mais cinco minutos na cama. Não visto a primeira coisa que me aparece no armário. Não tomo o pequeno-almoço a correr. Não saio do carro velozmente. Não vejo rostos ensonados, nem olhos fechados. Não vejo pressa, nem o stress de chegar a horas ao trabalho. Não vejo correrias, nem andantes. Não ouço a menina que repetitivamente nos comunica a próxima paragem. Não encontro "picas" nem aqueles que deles fogem. Não observo seguranças nem pés em cima dos assentos. Não reencontro olhares conhecidos. A paisagem não passa por mim. Estou de férias. Dentro de uma semana tudo voltará ao normal. O tempo passará mais rápido... O tempo voltará a andar sobre carris.

Andante