Diário de Bordo, Porto-Vila do Conde, 26 de Novembro de 2007
Canção do dia:«Sun» Cocorosie
Esperei 15 minutos pelo metro das 16:31 na "Trindade". A informação vinha enganada.
Quando entrei na carruagem ofereci o lugar a uma senhora de idade. Ela recusou. Sentei-me. À minha frente estava uma senhora. De tez escura e nariz achatado vestia um casaco grosso azul, calças de ganga azuis e calçava sapatilhas. Na cabeça, um chapéu cinzento de crochet com triângulos brancos, escondia o cabelo negro escorrido. De braços cruzados observava compenetrada a paisagem. Metida nas conversas das outras pessoas, exclamava em voz alta que fazia 90 anos!
-Faço hoje 90 anos, ando pelas ruas todas! Conheço os transportes públicos todos!
-Parabéns! Diziam uns. Ignoravam outros.
-O meu marido faz hoje 103! Diz uma senhora em jeito de gozo.
-Não acredita?!
Entranto dá lugar a outro senhor.
-Sente-se, sente-se!Faço hoje 90 anos mas continuo fresca!
As pessoas riem.
Entretanto entram novos andantes, encontram-se duas velhas amigas. Depois de um grande e desequilibrado abraço, a senhora confunde-me com a filha da amiga.
-Têm os olhos da mãe!
Sorrio.
-Não é a minha filha! Sorri também.
-Ah! É igual! Tem os olhos parecidos com os seus! Então que conta Tété?
-O meu marido faz anos hoje.
-Parabéns, dê-me cá um beijinho. Quantos faz?
-73.
-Ai meu Deus, como o tempo passa!
Entre histórias empolgantes de assaltos a netos, chegam a "Vilar de Pinheiro".
-Continuação de um bom dia de anos, desejo.
-Muito obrigado, faça uma boa viajem.
-Desculpe lá menina, pensava que era filha desta minha amiga!
-Não se preocupe.
-Boa tarde então.
-Por esta porta Rosinha!
Depois de saírem a aniversariante veio sentar-se à minha frente. As mãos cruzadas bufavam e falavam sozinhas. Repetiam o som de quem está aborrecido vezes e vezes sem conta. As rugas da sua face desenhavam o seu olhar castanho compenetrado. Pensavam na vida.
-Nunca mais chegamos, susurrava.
Vê-me a escrever, suspira.
Guardo o lápis e as folhas.
Antes de sair olho para ela.
Olha-me nos olhos respondendo com três sorrisos instantâneos vindos do nada.
Procura outra vítima.
Será outra personagem que ficará registada nas páginas da minha memória.
Andante
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
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1 comentário:
Mais um texto muito bonito.
A terceira idade, ou esta será a quarta?!, precisa destes momentos de atenção, sobretudo se depois deles é a solidão e o silêncio que têm por companhia.
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