quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Jogo dos Peixes

Diário de Bordo, Vila do Conde, 17 de Dezembro de 2009
Canção do Dia: «I have a dream» Common Feat. Will I Am

Depois de uma pedida e inútil caminhada pelas ruas do burgo com vista a aproveitar os saldos com a minha irmã, a viagem revela-se silenciosa.

Enquanto me divertia com uns joguinhos na máquina de calcular da minha compenetrada "manica", ela envolve-se numa afincada leitura d"Os Maias".
...
-Sabes do que tenho saudades?
-De quê?
-Do jogo dos peixes?!
-Sim, quando íamos no carro com os papis nas viagens longas.
-Eramos muito pequeninhas! Tínhamos de ter alguma coisa para fazer!
-Eu sei, era para passar o tempo, mas tenho saudades de jogar a isso!
-Tá bem, começa lá então.
-Sardinha.
-Bacalhau.
-Rodovalho.
-Xaramaneco.
-Salmão.
-Já marchava!
-Oh! Tens de dizer um peixe!
-Garapau com G! (como comunamente lhe chama uma dita conhecida).
-Manta.
-Bacalhau.
-Já disses-t!!!
-Raia então.
-Linguado.
-Garoupa.
-Pescada.
-Pescadinhas de rabo na boca.
-Isso não conta como peixe! É pescada na mesma!
-Hum... Então... Espadarte.
-Enguia.
-Truta.
-Isso não conta.
-Não conta porquê?
-É de água doce, e não me apetece contar como certo!
-Oh! Peixe lanterna.
-Tá bem, pode ser.
-Sabes porque é que o peixe luzinha não tem medo da morte?
-Não!
-Vê sempre a luz ao fundo do tunel!
...
-Peixe-telescópio.
-Peixe-gato.
-Peixe-rato.
-Peixe-lua.
-Peixe-cirurgião.
-Nemo.
-Personagens de desenhos animados não contam, tá?
-Peixe-palhaço.
-Peixe-agulha.
-Baleia...
-Baleia?! Tás-te a passar! Isso é da família dos sebáceos!
-Sebáceos?!?!?!?!?!?!?!
...

Andante



terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Frio

Diário de Bordo, Vila do Conde, 2 de Dezembro de 2008
Canção do Dia: «Smells like teen spirit» Tori Amos


O frio chegou.
Posso andar de boina e cachecol como tanto gosto.
Enquanto respiro deixo uma núvem como rasto.

Adoro o interromper do silêncio em cada um dos meus passos.

Andante

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ciganita

Diário de Bordo, 24 de Novembro de 2008
Canção do Dia: «Erase You» Dj Shadow


Olhos pretos e tez escura contrastam com a claridade do seu cabelo loiro. Irrequieta no colo do pai observa a paisagem com atenção. Curiosa. Observa-me.
Mostro-lhe a língua.
Responde-me.
O metro enche. Procura o meu olhar azul por entre o mar de multidão para continuar a brincadeira.
A núvem esconde-a.

Andante





sábado, 22 de novembro de 2008

Encontro

Diário de Bordo, Vila do Conde, 22 de Novembro de 2008
Canção do Dia: «Cliquot» Beirut

Finalmente fim de semana.
Trindade.
Uma menina cega segue com um atento labrador preto nas escadas rolantes.
-Vamos tomar um café! Anda!
Mais à frente encontram amigos. Outra menina cega, outro labrador branco. Todos se cumprimentam entusiasticamente! As amigas trocam abraços, os cães trocam pulinhos e lambidelas. Verdadeira felicidade.
Sorriu com tanta alegria misturada. Situação bonita.

Andante

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Perdidos e não achados

Diário de Bordo, Vila do Conde, 20 de Novembro de 2008
Canção do Dia: «Grafton Street» Dido


Há grupos de senhoras que se sentam sempre juntas, seja pela amizade, seja pela má língua ou simplesmente pela companhia.


Engraçado como certas amizades surgem.

Esta iniciou-se com uma grande conversa sobre joanetes. Operações, tratamentos e recuperações...


Quando entro, a senhora de óculos acabava de perder um brinco. Lá se põem as três marquesas, literalmente de rabo para o ar, em busca do brinco perdido.
-Não sei para onde foi!
-Acho que não rolou se não vía-se!
Enquanto uma se descalça para verificar que não se encontraria nas botas de cano alto a outra procura no cachecol. A última apalpa o aglomerado de sacos de plástico trazidos pelo conjunto.
-Eu vi a perolazinha a saltar!
-Veja lá bem se não está dentro do saco.

-Óh menina! Perdeu alguma coisa?

Há uma onda de solidaridade pela carruagem. Olhos perscutam o chão.

-Sai lá do chão, q'está todo sujo, mulher!-Dizem à de gatas.

-Olha, deixa lá, é só um brinco!...
-Que chatice!...

Andante

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Mau Dia

Diário de Bordo, Vila do Conde, 19 de Novembro de 2008
Canção do Dia: «Lady Bird» Samatha


Há dias que correm mal do início até ao final...

...viajantes barulhentos, carteiras perdidas, aulas trocadas e até problemas informáticos.


Nada que uma boa conversa com uma amiga não resolva!

Andante

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Chão

Diário de Bordo, Vila do Conde, 17 de Novembro de 2008
Canção do Dia: «Let's groove» Rio en Medio


Como habitualmente, o metro ia a rebentar pelas costuras.

Duas raparigas estudam no chão.
-Óh meninas! Sentadas no chão não se paga bilhete! Quem me dera a mim poder ir assim! (Dizia uma senhora confortavelmente sentada.)

Andante

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cusca

Diário de Bordo, Vila do Conde, 12 de Novembro de 2008
Cançaõ do Dia: «Cosmia» Joanna Newson


"TECNOLOGIA FARMACÊUTICA I

Pastilhas
Preparações farmacêuticas de consistência sólida, destinadas a dissolverem-se na boca, preparadas por moldagem de uma massa plástica constituída de acúcar, mucilagens e pa.

Preparação das pastilhas
1. Pastilhas contendo mucilagens e açúcar
a) Preparação da mucilagem
-goma adraganta (1-2%), goma de karaya
-goma arábica (3-12%)
-metilcelulose (30%)
b) Preparação da pasta
-açúcar pulverizado a pó fino;
-adição da mucilagem a 3/4 do açúcar;
-adição do açúcar restante com pa e aromatizantes incorporados;
-malaxagem-pasta sem aderência
-aromatização: vanilina, essências (anis, hortelã, limão), hidrolatos.
..."


Enquanto uns óculos tortos se contorciam pelas palavras cruzadas, uma senhora interessava-se pelo meu teste de amanhã.

Andante



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Deixe estar-se

Diário de Bordo, Vila do Conde, 10 de Novembro de 2008
Canção do dia: «Organ Donor» Dj Shadow


-Quer sentar-se? Digo a um senhor já de idade.
-Deixe estar-se menina! Ele vai de pé! Só lhe faz bem! (Responde-me a sua mulher, já sentada!)

Andante

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Desabafos

Diário de Bordo, Vila do Conde, 31 de Outubro de 2008
Canção do dia: «Oxalá» (versão electrónica) Madredeus


O metro anda completamente impossível! Chega a Vila do Conde já cheio e só com uma carruagem. Geralmente vem também sem os bancos de abrir e fechar.
Conclusão: as pessoas começam o dia mal humoradas e cansadas. Vão o percurso todo de pé.
As horas de sono não são recuperadas...

...desabafos meus!

Andante

sábado, 25 de outubro de 2008

Libelinha

Diário de Bordo, Vila do Conde, 27 de Setembro de 2008
Canção do dia: «En Gallop» Joanna Newsom


Dormia. Um delicado e suave bater de asas acorda-me de um embalado e belo sonho. Uma libelinha esvoaçava contra o vidro incomodando a menina aterrada à minha frente.

Quer ir lá para fora...
Está sempre a bater contra o vidro...
Está a ficar muito cansada...
Está a ficar com as asas partidas...

Dispo o casaco.
Pego nela com muito jeitinho.
Levanto-me.
Abro a porta.

Voa...

Andante

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Aneurisma dos doces

Diário de Bordo, Porto, 25 de Setembro de 2008
Canção do Dia: «Peter Pan» Spleen


-O meu marido era um malandro, que Deus o tenha! Eu dava-lhe dieta em casa. Sim! Porque eu sou enfermeira, eu sei tratar bem das pessoas! Dava-lhe sempre dieta. Sopinha, peixe grelhado e batatinhas cozidas que eram uma maravilha. Óh se eram! E o malandro à tarde fugia e ia para a pastelaria encher-se de bolos e doces. Tinha amor aos doces o homem! E sabe o que aconteceu, sabe?
-Olhe, tinha ele 24, tinha eu 21. Deu um berro; caiu no chão. Deu outro berro, morreu. Foi dos doces. Aneurisma dos doces! Valha-me Deus!...

-E o meu genro. Nem sabe! Eu tratava muito bem dele. Dava-lhe dieta e peixinho. E ele comia tudo. E depois ele foi morar para Inglaterra e só comia bifes! Sempre sempre a comer bifes! Não imagina! Eles lá é só bifes e batatas fritas! Eu disse-lhe para fazer análises ao colesterol e tri-glicerídeos porque há uns tempos atrás estavam muito altos. E ele fez. E o "doctor" disse-lhe que estava tudo bem. Disse-lhe para não confiar nesse médico, q'uele não sabia nada do que fazia! E depois veio para cá, eu perguntei-lhe como estava e olhe, morreu!...


-Eu também tenho de ter cuidado, não me posso constipar. Disse-me o médico do coração! (A dita senhora encontrava-se exageradamente vestida: lenço na cabeça, casaco de pele, cachecol, luvas e botas!)



Aparecem os fiscais.
-Lá vem a polícia!

Confirmam 2 andantes e páram num senhor de meia idade.
-Ai os polícias, paráram ali no senhor! Se ele tem cartão, não devia pagar multa? De quanto é a multa amigo? Questionando o homem à sua frente.
-Sessenta ou setenta euros, penso eu.
-Sessenta! Só! Ai havia de ser mais! Mas para quem as merecesse, para os ladrões, não para as pessoas honestas! Coitado do senhor!
-Pois é, pois é...-responde-lhe.
-Isto não tem jeito nenhum. E as carruagens?! Já vieram com defeito. Não têm bar, não têm quarto de banho. É uma estupidez, já viu? E devia ter quartos de benho para crianças, doentes e idosos! Já viu o que é ir até à "Póvoa" a aguentar a bexiga. Ainda no outro dia havia uma miudinha que estava aflita e não podia fazer xixi! Então eu dise-lhe para ela fazer ali, mesma à frente da porta do condutor, à minha responsabilidade. E ela fez.
-Fez?!
-Fez. Coitada da miúda, não ia ficar apertadita. E eu sou enfermeira disse-lhe que fazia mal ficar com a bexiga apertada, valha-nos Deus!
-Hum...
-No outro dia também houve uma senhora que lhe deu vontade e eu disse para ela fazer ali (apontando novamente para a área da porta do condutor). E eu disse: «Faça. Faça à minha responsabilidade e limpe-se à saia como se faz na minha terra, assim-exemplificando«.


Entretanto um dos meus desconhecidos colegas de viagem fecha o livro.
-Isto hoje está impossível p'ra ler. Emprestas-me a "Visão"?

Andante

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Livros de Bolso

Diário de Bordo, Vila do Conde, 15 de Setembro de 2008
Canções do Dia: Album: «Children's Songs» Chick Corea


Depois de estar vários meses sem actualizações, o novo ano lectivo começa para iniciar novamente a vida sobre carris.



Adoro ler livros amarrotados, livros com cantos dobrados, livros com anotações. Livros já lidos, livros já pensados. Porque cada vinco, cada dobra, cada palavra escrita amplia a curiosidade do porquê, de tal chamada de atenção.


«...Nunca desistirei de procurar, tal é a minha decisão. Também tu, pelo que me parece, andaste à procura. Quererás dizer-me uma palavra, ó Venerado?
Siddhartha disse:
-O que poderia ter eu para te dizer, ó Venerável? Talvez dizer-te que procuras demasiado? Que enquanto procurares nunca conseguirás encontrar?
-Como assim?-perguntou Govinda.
-Quando alguém procura-respondeu Siddhartha- pode acontecer que os olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque está possuído por esse objectivo. Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos. Tu, Venerável, és talvez um homem à procura, pois, perseguindo o teu objectivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante os teus olhos.
-Ainda não te compreendo perfeitamente-disse Govinda-,o que queres dizer com isso?...»

(em «Siddhartha» de Hermann Hesse)


Andante




sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Adeus

Diário de Bordo, Vila do Conde, 22 de Fevereiro de 2008
Canção do Dia: «How to save a Life» The Fray


"A memória é o espelho onde observamos os ausentes." (Joseph Joubert)


Vila do Conde, 22 de Fevereiro de 2007:
Ontem passei por ti na faculdade e achei-te especialmente bonita. Perguntei-te onde ias de tão linda que estavas. Tu apenas retribuis-te com um lindo sorriso.

Nao me despedi de ti...

Contive as lágrimas até sair do metro.
No caminho para casa a pé encontrei a minha irmã. Disse-me que não estava ninguém em casa. Precisava de estar com alguém.
Porquê? Só tinhas 18 anos e tinhas uma vida feliz pela frente!
Passei em casa de um amigo e fomos à praia.
Enquanto a salitra me batia na cara a ideia de que nao me tinha despedido de ti nao me saia da cabeça. Já tinha decidido que não ia ao teu funeral. Prefiro guardar na memória as pessoas em vida.
O vento estava sudoeste e as ondas formavam vagalhões enormes que, ao rebentarem, cobriam na totalidade a areia de branco. A lua estava escondida pelas núvens e nao havia uma única estrela à vista. A praia estava linda...
Quando olhei para o relógio eram 19:15h. Fui a florista. Não sabia qual era a tua flor preferida, não tivemos tempo para falar sobre isso. Optei por uma orquídea, as que mais gosto: são bonitas, delicadas, perfeitas. Escolhi uma amarela linda para ti.

Descalcei-me...
Dobrei as calcas...
Tirei os óculos...

Fiquei 20 minutos estática a sentir a areia molhada nos pés.
Deixei que o mar mos beijasse.
Fiz uma funda covinha; acendi, com dificuldade e ajuda, uma pequena vela.
Beijei a tua flor. Pousei-a na areia.
Apenas murmurei um simples adeus.
Sorri...

O teu lindo sorriso de ontem ficará para sempre na minha memória.

Andante

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Viagens

Diário de Bordo, Vila do Conde, 21 de Fevereiro de 2008
Canção do Dia: «Voá Borboleta» Sara Tavares

Há viagens que duram de mais. Outras são demasiado curtas.

Andante

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cãimbra

Diário de Bordo, Vila do Conde, 15 de Fevereiro de 2008
Canção do Dia: «One Evening» Feist

Encontrei um amigo na "Trindade" que estava com um amigo seu. Entramos no metro. Mais uma vez, adormeci. Eis que me dá uma grande cãimbra. Acordo de rompante. Involuntáriamente mando um grande pontapé ao dito amigo do meu amigo.
-Desculpa lá, cãimbra. Disse-lhe eu enquanto o pobre do rapaz esfregava a "canela" e metade da carruagem se ria de mim.

Andante

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Carnaval

Diário de Bordo, Porto, 11 de Fevereiro de 2008
Canção do Dia: «Good friday» Cocorosie


A greve continua...
O metro das 8:26 não passou na Estação de Vila do Conde.

Cansada do voo de quinta, procuro lugar para dormir. Sento-me no único lugar disponível. Um dos reservados para grávidas e acompanhantes de crianças de colo. Fecho os olhos. Acompanhada de música, tento repousar. A densidade populacional aumenta. Há uma luta desenfreada para arranjar local de apoio.

Entra uma inchada senhora. Numa dúvida fundamentada questiono-me: Dou-lhe o lugar?
Ora bem, não me importaria nada de lho ceder, a senhora parece estar grávida. No entanto, se lhe der o assento e esta não o estiver, colocar-me-ei numa situação muito pouco agradável!
A minha companheira da frente deixa a sonolenta malha.
-Quer sentar-se?
Levanto-me num pulo.

As melodias de "Rodrigo Leão" tocam. Agarro-me com dificuldade face à imensidão de mãos.
Embarca uma princesa trajando de azul. De tiara na cabeça, a pobre realeza mal se segura. Uma outra senhora mantem-se confortavelmente sentada.
-Mãe, ali não diz "Por favor não utilize estes assentos em hora de ponta"?!
-É filha. Há pessoas que não sabem ler.
-Lebánte-se múlhere! Támos aqui todos apertados! Parecemos as sardinhes!
-Deixe lá. O que bale é que é Carnabal! Ninguém leva a mal!

Andante







segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Greve

Diário de Bordo, Porto, 28 de Janeiro de 2008
Canção do dia: «Rainbowarriors» CocoRosie


Greve dos condutores do metro, há menos comboios, as pessoas acumulam, esperam e desesperam.

No meio de um emaranhado de braços e cabeças, bolsas e casacos, entra uma senhora carregadíssima de sacos.
-Cum licença, cum licença. Há que apertari! Tem-se d'apertari sempr'o cinto, mas cumo naum estámos num carro, aperte-se aí só mais um bocadinho pr'eu entrari!
Os apertados manifestam-se. Indignação.
-Onde é que se vai meter?!


Há uma travagem brusca.
-Ui..ui que bou caire!
-Oh senhora, veja lá se se agarra, se não ainda cai em cima da gente!
-Minha senhora, tenha lá cuidado! Segure-se caramba!


-Olha o mieu telelé, tinha mesmu di tocar agora que nem consigo botar a mão ao borso!
-Oh Fátima cála-te que já não te posso ouvir! Tás no metro aos berros!

Andante

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Geração Perdida

Diário de Bordo, Vila do Conde, 25 de Janeiro de 2008
Canção do Dia: «I'mma Shine» Youngbloodz in Step Up


Sexta-feira, adormeci. Quando cheguei à paragem de Vila do Conde, o metro tinha acabado de partir. Fomos no seu encalço até à paragem de Santa Clara. Numa competição renhida, conseguimos a ultrapassagem.

O céu estava lindo. Frio e afogueado. Gritáva-me com seu vermelho. Não consegui dormir.

A carruagem ia a abarrotar.
Enquanto um rapaz funga e uma senhora lhe oferece um lenço que ele declina, entra um outro no metro. De mochila às costas, traz o volume da música "pastilha" demasiado alto. A carruagem revira os olhos. A mesma senhora comenta:
-É uma falta de respeito pelos outros, um exagero. Quer uma pessoa chegar ao trabalho descansada e é sempre isto! Há que respeitar os outros. Sabe lá se eu gosto desse género de música?! Esta geração está perdida!
Entra uma senhora de idade no metro acompanhada por uma segunda mais jovem. Procura lugar. É ignorada. Levanto-me e ofereço o simpático lugar à senhora. Agradece. Fala alto com a amiga sobre boas acções.

Andante

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Tertúlia

Diário de Bordo, Porto-Vila do Conde, 24 de Janeiro de 2008
Canção do Dia: «The Organ Donor» Dj Shadow


Enquanto lia um dos muitos jornais gratuitos distribuidos no metro...

...
-Olhe, deixei de fumar. Estava a ser discriminado. As pessoas, com a nova lei do tabaco agora desprezam os fumadores. Parece que agora quem fuma é assassino. As pessoas olham-nos com desprezo.
-Veja o lado positivo da coisa, pelo menos deixou de fumar!
-Lá isso foi. Mas sinto falta do cigarrito com a bica. Ainda no outro dia tava distraído e acendi o cigarro dentro de um cafézito. Lá me veio uma senhora toda empiriquitada dizer-me que o estabelecimento era para não fumadores. Lá lhe pedi desculpa e apaguei o cigarro.

Entretanto, entram vários "picas " na carruagem. Páram numa senhora e saem juntos em Esposade. A troca de ideias inicía-se. Pouso o jornal e pego no bloco com a sensação de uma boa história a caminho.
-São a ASAE.
-Pois é meu amigo! Olhe, agora é sempre isto! Durante o natal não se via ninguém.
-Agora é como os passarinhos!
-Tem razão.
-Olhe, a pobre da rapariga já vai ter multa! Coitada!...
-Pagava-se a diferença e pronto!
-Pois...agora vai ter de pagar uma pesada multa!
-A passagem da senhora é que estava errada!
-Pois eu paguei 60€ sem ter culpa nenhuma!
-Olhe, é como a minha filha! No outro dia tinha tudo direitinho. E validou o andante e tudo, só que pelos vistos a máquina dizia que ela não tinha validado, e pegou no recibo errado. Não podia provar. Foram logo 65€!
-São trabalhadores da noite!
-Ah pois é!
-O melhor é evitar, tirar tudo direitinho. Olhe que vergonha!
-Também já me aconteceu, mas foi de camioneta até Crestins. A porcaria da camioneta demorou duas horas e queriam que eu tirá-se outra viagem. Não paguei. Não tinha culpa que a camioneta tivesse demorado tanto tempo. Num domingo, num verão. Foi no dia de Nossa Senhora da...

Retomou-se o tema de conversa
-Deixe estar minha senhora, eles vão pagar as viagem de borla! Eles andam atentos! Referindo-se a passageiros ilegais (os que não compram passsagem).
-Olhe o filho da minha vizinha apanhou uma multa de 70€ por causa disso.
-Já viu quantas viajens dá para fazer?!
-Brincava no metro. Fazia o que queria do transporte público. 75€! Teve de chamar o irmão mais velho, era menor. Foi nas férias de verão. Eram onze da noite. Saíram logo os dois.
-É um exemplo.
-O que não era justo era quando eu estava na tropa, antes do 25 de Abril e não pagavam nada. Tinha de pagar bilhete para vir visitar a família. Nós a defendermos o país e não nos calhava nada. Isso é que era injusto! Trabalháva-se para voltar para casa.
- Com os meus irmãos também era assim. E não fumavam!
-Com o governo que está aí vamos voltar a isso.
-Pagava-se para tudo. Pagava-se para fumar, as bicicletas tinham de ter matrícula, não se podia andar descalço na rua.
-A minha irmã uma vez foi multada por não andar com as socas em Vila do Conde. Tinha 14 anos!
-Olhe, é isso e o tabaco.
-Não me faz falta nenhuma!
-Os cafés perderam muito com isso!
-As cidades estão fechadas à noite. Desaparece tudo!
-Desde que apareceram as discotecas e os supermercados...

A conversa continua, abordam-se vários temas: acidentes, pedofilia, assassínios, crianças desaparecidas. Comentam-se as últimas novidades dos jornais. Invoca-se Salazar.
A tertúlia vai-se desfazendo. Os intervenientes começam a abandonar a conversa.
-Boa tarde!
O senhor de óculos assobia agitando um envelope.

"Santa Clara"

Fecho o bloco, está na hora de sair.

Andante

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Desmaio

Diário de Bordo, Vila do Conde, 23 de Janeiro de 2008
Canção do dia: «All is full of love» Bjork


Longe vão os tempos em que tentava estudar no metro...

Quarta-feira, apanho um metro normal. Encontro dois amigos. Cansada, pouso a capa e a bolsa em cima das pernas. De "fones" nos ouvidos, cruzo os braços pousando-os sobre a mala. Adormeço profundamente...

"Próxima Estação Casa da Música.
Next Stop Casa da Música."

Num ápice, o metro pára um pouco mais violentamente que o habitual.
A capa escorrega.
Acordo num salto.
Toda despenteada do abanão, coro.
A carruagem observa-me.
Sorrio. Riu.

Depois de acordar os meus companheiros de viagem narram os acontecimentos ocorridos enquanto dormitara. Pelos vistos as pessoas acotovelavam-se na porta. Num determinado momento, uma rapariga alta e espaçosa (que eles designaram por cavalona), pede freneticamente licença para passar. As pessoas afastam-se pensando que o seu destino seria a próxima estação. De repente desmaia. A dita menina pediu simpaticamente licença, não para sair, mas sim para não cair em cima de ninguém. A terceira idade acorre-lhe:
-Tome água menina!
-Dêem-lhe açúcar!
Responde ela:
-Obrigada senhora, mas vou fazer análises, não posso comer nada!
-Mas está bem menina?
-Sim sim, muito obrigada.
...

Andante

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Queda

Diário de Bordo, Porto, 21 de Janeiro de 2008
Canção do dia: «Wandering eye» Fat Freddys Drop



Primeira semana de aulas do segundo ano. Numa réstia de aproveitamento dos últimos dias de semi-férias calcei as sandálias. Liberdade.



Na faculdade reencontram-se os amigos, reveem-se caras conhecidas, trocam-se férias e viagens.



Seis e seis: o metro chega à "Trindade". Na ânsia de apanhar o expresso saio do metro a correr e tento furar pela aglutinação de pessoas.

PUM!...

As sandálias de borracha escorregam no chão liso. Estatelo-me no chão mesmo nos pés de um senhor cujos sapatos o identificam como condutor do metro.
-A menina está bem?
-Está bem menina?
Não aguento. Rebento a rir. Da minha boca apenas saem sonoras gargalhadas. Subitamente lembro-me do expresso. Levanto-me num pulo. Não digo nada ao senhor, perdida de tanto rir. Subo as escadas duas a duas, valido o cartão, entro no metro.


O dito senhor deve ter ficado a pensar que eu era doida.


Andante

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Francesinhas

Diário de Bordo, Vila do Conde, sábado, 14 de Janeiro de 2007
Canção do dia: «I dont wanna know» Mario Winans


Estávamos nas férias de Verão de 2006, eu e uma amiga regressávamos de um treino na estação do Bolhão. Já era tarde. Na nossa carruagem apenas estávamos nós as duas, uma cansada senhora de idade e um jovem bonacheirão.

Eu e a minha amiga conversávamos animadamente sobre o treino e a dança como habitualmente fazíamos.


-Olá meninas! Começou ele a meter conversa.

-Olá! Respondemos por boa educação.

-Tudo bem?

-Sim, tudo bem. Continuámos.

-Então como é que vocês se chamam?


Respondi-lhe com o meu nome. A minha amiga respondeu com um nome falso, como já havia feito outras vezes.


-Que lindos nomes que as meninas têm! Desculpem estar-me a meter convosco mas acho que aqui em Portugal as pessoas falam pouco umas com as outras!
Sorrimos...
-Acabei de chegar de França. Vim ver o meu pai. Já não o vejo à oito anos. Vou ali para Ponte da Barca.
-Elas ainda são muito novas para si! Deixe lá as miúdas!...Dizia a senhora com ar empertigado!




A viagem decorria, e o imigrante deu corda à conversa. Eu e a minha amiga respondíamos num misto de gozo e boa educação. Era só mais uma das muitas personagens que viajam sobre carris.



-Não querem vir comer umas francesinhas?
Entrámos no jogo:

-Tá bem pode ser.

-Então vamos, pode ser?

-Ok. Como combinámos?

-Vamos a um restaurante muito bom que eu conheço, numa rua perto da estação.
-A que horas?

-Mal cheguemos.
-Mas isso não pode ser. Temos dir a casa trocar de roupa. Não podemos ir assim! Mas depois vamos lá ter consigo, pode ser?
-Pode. Eu fico à vossa espera na estação.
-Ok, combinado. Demorámos aproximadamente 15 minutos. Espera por nós?
...


Andante



Voltei a vê-la. Apareceu num momento, desapareceu num intante. Estava a fazer outra vítima na estação de "Santa Clara". Não sei se hoje faria 90 anos novamente.


Andante